"Anna Karénina" de Lev Tolstoi [Opinião Literária]
Título: Anna Karénina
Autor: Lev Tolstoi
Editora: Relógio D’Água
Sinopse:
«Embora seja uma das maiores histórias de amor da literatura mundial,
Anna Karénina não é apenas um romance de aventura. Verdadeiramente interessado
por temas morais, Tolstoi era um eterno preocupado com questões que são
importantes para a humanidade em todas as épocas. Bom, há uma questão moral em
Anna Karénina, embora não aquela que o leitor habitual possa crer que seja.
Esta moral não é certamente o ter cometido adultério, Anna pagou por isso (num
sentido vago pode dizer-se que é esta a moral do final de "Madame
Bovary"). Não é isto, seguramente, por razões óbvias: se Anna ficasse com
Karenin e escondesse do mundo o seu affair, não pagaria por isso primeiro com a felicidade e
depois com a própria vida. Anna não foi castigada pelo seu pecado (podia muito
bem ter-se safado deste) nem por violar as convenções da sociedade, muito
temporais como aliás são todas as convenções e sem ter nada a ver com as
eternas exigências da moralidade. Qual era então a «mensagem» moral que Tolstoi
queria passar neste romance? Entendemo-la melhor se olharmos o resto do livro e
compararmos a história de Lévin e Kiti com a de Vronski e Anna. O casamento de
Lévin é baseado num conceito metafísico, não apenas físico, do amor, na
boa-vontade e no sacrifício, no respeito mútuo. A aliança Anna-Vronski é
fundada apenas no amor carnal e é aqui que reside a sua ruína.»
Vladimir Nabokov in Posfácio
Opinião:
Tal como esperava, encontrei, encerrada nas inúmeras páginas deste
livro, uma obra-prima, um clássico literário indiscutível. Contudo, não
encontrei apenas a estória de amor que esperava, mas principalmente um retrato
genial e exaustivo da sociedade russa na segunda metade do século XIX, pontuado
por questões pertinentes e surpreendentemente atuais do foro político, social,
religioso e filosófico.
A crítica de costumes está sempre presente ao longo da narrativa,
enfatizando a dicotomia entre a vida na cidade e o quotidiano no campo, entre a
alta sociedade e a exploração do povo com salários miseráveis. O autor aborda
diferentes perspetivas, deixando o leitor formular os seus próprios juízos. É
precisamente esta rigorosa análise de uma sociedade em ebulição que eleva esta
obra a outra dimensão.
A temática catalisadora da narrativa é o adultério. Mais precisamente, o
romance extraconjugal de Anna Karenina com Vronski que se estabelece como o fio
condutor de todo o enredo e terá um impacto determinante na vida das restantes
personagens. Este evento potencia a crítica de Tolstoi à hipocrisia e ao
cinismo da sociedade russa. Adoro a forma como Stiva e Anna, irmãos, representam
polos opostos do mesmo tema. Stiva envolve-se com a perceptora inglesa dos
filhos, em busca do prazer sexual que o casamento com Dolly já não lhe fornece,
e surge como uma vítima de um casamento deteriorado. Anna, por outro lado, escandaliza
todos os que a rodeiam por ceder a uma paixão que culmina em tragédia. Encontra-se
aqui bem patente a mentalidade patriarca de uma sociedade em que as aparências contam
mais do que a própria felicidade.
Infelizmente, por vezes, senti-me algo desconectada da estória, não me
apaixonou como esperava e algumas personagens não despertaram as emoções
pretendidas. Anna é demasiado inconstante e indefinida, algo, apagada, nunca
consegui criar uma verdadeira empatia com esta personagem. Por conseguinte, tornou-se
até secundária em relação a um leque de personagens mais interessantes, cada
uma constituindo uma sublime representação dos diferentes membros da sociedade:
os nobres, os eruditos, os latifundiários, os militares, o constante fosso
entre a corte e o povo. A personagem mais fascinante foi, para mim, Konstantin
Levin, um homem do campo, com as suas reminiscências sobre a morte e a fé – ou a
sua respetiva falta de – e a sua paixão por Kitty, uma jovem da alta sociedade.
Acabei por apreciar mais esta estória de amor do que a principal, devido à
reticência de Kitty em admitir os seus sentimentos e à eterna devoção de Levin.
A escrita de Tolstoi é uma autêntica pérola, com uma cadência extraordinária
pontuada por metáforas que enriquecem a prosa. Porém, o autor apresenta uma
certa tendência para repetir a mesma ideia demasiadas vezes, tornando o livro
algo denso.
Com um final trágico e algo abrupto, Anna
Karénina adquire um realismo palpável, estabelecendo uma relação entre a
condição social e o potencial para a felicidade. Este romance espelha
precisamente a infelicidade de quem almeja seguir o que é socialmente aceitável,
em detrimento da sua concretização pessoal. Na verdade, até que ponto
conseguiremos ser realmente felizes quando nos limitamos a viver segundo o que
os outros pensam? É esta a forte mensagem de uma obra que, longe de ter sido
viciante, acabou por me cativar, inesperadamente, pela componente da crítica social.
Com uma qualidade inegável, foi uma excelente introdução à literatura russa,
a qual aconselho vivamente.
Poucos mas bons e grandes:) Beijos
ResponderEliminarSim, este mês foram poucos mas logo grandes calhamaços xD E boas leituras pelo menos :)
EliminarBeijinhos*
É verdade, a Catarina conseguiu resumir o teu mês em poucas palavras. Este livro está na minha lista de leitura há uns bons tempos. Tenho de me decidir a lê-lo :)
ResponderEliminarBeijinho
Tens mesmo, vale a pena! :)
EliminarBeijinhos*
Mónica, adorei a tua opinião! Gostei muito da forma como a escreveste e salientaste o poder que Tolstoi tem de mostrar a hipocrisia da sociedade daquela altura.
ResponderEliminarSem sombra de dúvidas, a opinião que escrevi no meu blog não chega aos calcanhares da tua :p
Só temos uma divergência...eu adorei a Anna Karenina, principalmente a sua inconstância. E a sua história de amor é igual a muitas que acontecem no dia-a-dia, em que uma mulher deixa um homem porque se apaixona por outro, mas que esse amor acaba por se desmoronar (claro que no nosso quotidiano a mulher não tem este fim trágico :p). Mas são visões diferentes e, de qualquer das maneiras, adorei ler a tua opinião :)
Beijinhos e boas leituras
(desculpa o testamento :p)
Oh não digas isso, gostei tanto da tua opinião!
EliminarQuanto à Anna Karenina, pronto, são opiniões xD Percebo o teu ponto de vista claro, mas o Konstantin Levin cativou-me muito mais enquanto personagem :P
Beijinhos e boas leituras!
(e agradeço qualquer tipo de testamento :P)
Também gostei do Konstantin Levin, principalmente das suas reflexões :)
EliminarForam a melhor parte para mim :)
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